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Estevão, o Desconectado


"Aquilo que a memória ama se torna eterno", dizia Adélia Prado. Uma das memórias afetivas mais recorrentes de minha infância são as das viagens de férias com os meus pais. Na estrada de terra que levava a fazenda de meus avós maternos em Minas Gerais, na via Dutra, rumo à Cidade Maravilhosa, ou mesmo, na serra do Mar, com destino ao Guarujá. A bordo do Galaxie 500, eu, meus dois irmãos e meus pais criávamos um delicioso universo lúdico, Brincávamos de adedanha, cantávamos os hits da época, sabíamos todas as letras das músicas contidas no antológico álbums de 1973 dos Secos & Molhados. Quando avistávamos o mar, a música tema era "Pegue a sua esteira e seu chapéu, vamos para a prai que o sol já vem...", quando cruzávamos a divisa de estado São Paulo-Minas, minha mãe, como uma boa mineira, puxava o coro: "Oh, Minas Gerais, oh, Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...". A tudo isso juntava-se o deslumbramento com as paisagens contempladas da janela do carro. Naturalmente, sobretudo, nas viagens longas, alguns momentos de tédio e a famosa e irritante pergunta aos ouvidos paternos não tardava: "Falta muito pra chegar?"


Findada a sessão nostalgia, proponho trazermos o tema "família" para a cena contemporânea... e aproveito para apresentar-lhes, "ESTEVÃO, O DESCONECTADO", protagonista do livro publicado pela editora Hyria, da escritora e ilustradora Vivian Saad.

Estevão poderia ser meu filho, seu filho... Enfim, um filho da geração da telemática. Um garoto conectado ao tablet e, por muitas vezes, desconectado da vida. Estevão é um protótipo exagerado, mas nem por isso fake, inclusive, aí reside a força e a maior qualidade do texto de Vivian. Provocativo, promove reflexões interessantes, sem moralismos e pedagogismos.


O garoto passa pela infância grudado ao seu aparelho. Isso faz com que ele perca momentos, pessoas e vivências importantse, pois a criança conhece o mundo através de sua ação, pelas experiências exploratórias que vêm dos sentidos e das relações com as pessoas que a cercam. "[...] Seus amigos eram virtuais, mas não imaginários [...]". "[...] Estevão cresceu e do tablet não desgrudou... adoravar curtir nas redes sociais! E esperava muito ser curtido também!... não tirava mais seus olhos da tela... E assim, Estevão não viu ou que perdeu... perdeu o beijo da Clarinha em sua bochecha... a lagarta que virou borboleta... a bola que poderia ter sido um gol [...]".


Meu filho João, meu companheiro de leitura, ficou "preocupado" com tanta coisa legal que Estevão perdeu, e talvez por isso, o seu tablet ficou desligado em nossa última viagem. Então cantamos, contamos placas, curtimos a paisagem pela janela... É bem verdade que a fatídica pergunta: "Falta muito pra chegar?" surgia em pequenas frestas de tédio, mas justamente, ele, o tédio, funcionava como mote para a criação de novas brincadeiras. João está aprendendo que a tecnologia é boa sim, quando usada sem exageros, mas e Estevão, "[...] que não viu a sua vida que até agora passou [...]", será que terá uma segunda chance?!


ESTEVÃO, O DESCONECTADO

Vivian Saad (texto e ilustrações)

Editora Hyria

32 páginas

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